Desactualizado e Desinteressante

Versão online de jornal inexistente. A mesma falta de qualidade ao seu dispor.


segunda-feira, julho 21, 2003

CORREIO DO LEITOR (I)

Para provar que infelizmente era falso o boato que circulava pelos jornais, em que se insinuava que JB havia fugido para uma ilha deserta com a actriz e cantora Jennifer Lopez, abandonando definitivamente este blog, aqui estou eu, no mesmo hospital psiquiátrico do costume, mais louco do que nunca.
Durante a semana em que me abstive de escrever neste blog, incentivei as minhas colegas de hospício a enviarem-me para o e-mail desactualizado @ sapo.pt , alguns dos textos que costumam escrever nos seus diários.
Das dezenas de textos que têm sido recebidos, começo por destacar este que se segue, pela sua excelente qualidade de escrita e de humor:

Texto enviado por M. :
Nove da noite, o tic tac do relógio na parede branca asséptica é de tal forma ensurdecedor que se consegue sobrepor aos gritos histéricos nos corredores. JB está vidrado na cama ao lado. Após a crise que teve hoje à tarde, a dose de calmantes que levou apenas lhe permitem olhar siderado para o tecto deste quarto. Estou aqui há pouco mais de uma semana... Chamaram-me maníaco-depressiva, como se não fossemos todos um pouco. Se rio é porque estou contente, se choro porque estou triste, se me ponho aos berros... bem, alguma razão hei-de ter. Será assim tão condenável um indivíduo extravasar as suas emoções? Tic tac... tic tac... Este som monocórdico, rítmico eriça-me até aos cabelos!!! Certo, admito, sou muito sensível, emociono-me muito facilmente, não fervo em pouca água, fervo em água nenhuma! Mas, isso é doença? Tic... tac... Não fosse a agulha espetada na mão como se de trela se tratasse já me tinha levantado e arrancado aquele maldito relógio! JB balbucia qualquer coisa, raios relógio, abstém-te de fazer barulho! Pára uma vez que seja e deixa de marcar esse andamento incessante! “Marcelooo..., Marcelo...” olha para mim enquanto a língua, entaramelada, tenta pronunciar esta palavra como se pertencesse a um qualquer dialecto checo. É isso, está na hora do Marcelo.
Pego no controlo remoto, aparelho fantástico este, e ligo a televisão. Passa o Jornal Nacional na TVI e o prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa está na sua habitual crítica semanal. JB fica siderado, os olhos absorvem cada gesto do homem, bebem-lhe todas as palavras como se fosse um manjar dos deuses capaz de lhe restabelecer as forças, e a sanidade...
Verdade seja dita, o homem é um colosso. Até eu, uma leiga nestas matérias, fico presa à tela. Vários temas na praça: morte de David Kelly, Tony Blair e seu possível afundanço... (Tony, Tony, e agora amigo? Como te vais tu safar disso? Mania de ingleses se acharem melhores que o mundo, veja-se a “Utopia” de Thomas More, e no final fazem tanta ou mais asneira que nós, aqui à beira mar plantados), segredo de justiça (ainda existe? bahahahahahahaha), Casa Pia (mais um escândalo bem à moda portuguesa, lembram-se do ballet rose?), etc. etc. etc. (os medicamentos não me permitem mais que alguns escassos minutos de concentração). E o relógio continua, tic tac.... persegues-me relógio?
“Vamos então aos livros”, diz o comentador político. Verdadeiro líder de opinião, possível agitador de massas, como qualquer líder que se preze mesmo que o não queira ser. É curiosa a forma como se entusiasma a falar sobre a nação, sobre as notícias. Gesticula expansivamente e levanta as sobrancelhas de uma forma completamente deliciosa. JB continua hipnotizado, completamente absorvido. “O ciclo menstrual das baleias e sua relação com a vida sexual das minhocas, brilhante livro sobre a vida animal e as relações que se podem tirar dos estudos efectuados no ano passado pelos alunos da Escola C + S de Arca de Água, das edições alfa?”. Não, não disse isto, mas caso dissesse o resultado iria ser o mesmo. Marcelo Rebelo de Sousa tem um tal impacto na sociedade, dada a sua imagem, que todos acreditariam que este seria um possível best seller; livro obrigatório em todas as boas casas de família. Não JB, não vou comprar livro nenhum sobre baleias e minhocas. Tic.. tac..
Está a chegar o fim. Curiosidade final apontada: o caso Carlitos. Ao que parece os britânicos acusaram-nos de reter a criança, com lábio leporino e fenda no palato, algures numa província perto do sul de Espanha onde eles costumam vir “jogar golfe e comer sardinhas”!!!! Quê??? JB desmancha-se a rir. Arranco a agulha, um fio de sangue escorre-me pela mão (sai o veneno). Rio-me acocorada ao lado da cama. Raio dos britânicos, até parece que fomos nós quem abandonou a criança, que é sobre nós que paira a dúvida sobre se a invasão ao Iraque foi ou não legítima!!! Num repente corro até à janela aberta, as enfermeiras já se aperceberam do rebuliço e, antes que me prendam outra vez, berro em plenos pulmões “Eu dou-vos as sardinhas ingleses de” Tic… tac...

M.
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